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A independência dos Estados, hoje mais do que nunca, está ligada ao reconhecimento e à valorização da única matéria-prima de que todas as nações dispõem: a inteligência dos seus cidadãos. "Todos os conteúdos do desenvolvimento exigem agentes qualificados, um conjunto de valores éticos e comportamentos sociais que só podem emergir na liberdade e têm de ser cultivados na escola." (As citações são do filósofo A. C. Grayling.) A educação é sempre condição necessária do desenvolvimento.
O desenvolvimento exige a formação de elites, intelectuais, profissionais, morais. Não existe contradição entre a formação de elites e um ensino geral, para todos, com a maior qualidade possível. Pelo contrário. Só um ensino de qualidade para todos permite a revelação e selecção de um estrato de elite digno desse nome, estudantes com capacidades, preparação e vontade que lhes permitam ter acesso a uma formação superior mais exigente.
"O ideal do espírito democrático é tratar todas as pessoas de forma justa", promover a igualdade de oportunidades e a equidade, as duas componentes da justiça social. "A perversão desse espírito é a tentativa de as tornar todas idênticas."
É em nome dessa perversão - um igualitarismo gerador de iniquidade e de desigualdades maiores - que a mediocridade geral tem sido programadamente imposta à escola, aos docentes, aos estudantes, aos pais, ao país.
Do que precisamos é de um ensino básico e secundário de qualidade em todas as suas vertentes. Um ensino que desperte, promova e leve tão longe quanto possível as capacidades de todos. Um ensino que, por isso mesmo, permitirá revelar e seleccionar os melhores, os mais dotados (que nunca serão de mais e que existem em Portugal na mesma proporção que em qualquer outro país), a quem deve ser oferecida a mais exigente formação superior possível. Elites que só o serão, afinal, se forem "picos" num panorama geral de elevada qualidade. Elites que assumam os lugares de maior exigência e responsabilidade, por ser vital para o bem comum e por ser justo.
O que é necessário é uma escola onde não continue a ser cultivada, como tem acontecido, a "atrofia da memória", mas que seja, pelo contrário, sede privilegiada de transmissão e aquisição de conhecimentos, sem a qual não é possível o exercício do pensamento, a emergência da consciência crítica, a constituição e o exercício da capacidade e das qualidades intelectuais que permitem novas aprendizagens. Uma escola, portanto, em que a idiotice do "aprender a aprender" não seja a justificação para não se ensinar nem aprender nada. Uma escola onde se promovam e exijam as atitudes intelectuais e cívicas que são condição da liberdade. Liberdade que não é um estado de natureza, mas um produto de cultura. Não há democracia digna desse nome sem cidadãos informados, capazes de reflectirem. É por isso que a ideologia e as pedagogias que têm dominado o sistema educativo põem em causa a democracia, ameaçam a liberdade.
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Selecção de mérito, de competência, de vontade e de carácter. Portugal precisa desesperadamente de profissionais qualificados em todos os sectores de actividade, de elites intelectuais e profissionais, mas também de elites de carácter, que prezem e defendam a verdade, que não cedam relativamente ao que é inadiável realizar. Não das "elites" de compadrio, de dinheiro sujo, de influência, de fidelidade aos "cartéis", que são as "elites" que emergem e se tornam dominantes quando não se formam e promovem as verdadeiras elites. É este o problema.
Diz-se significativamente que "em Portugal quem tem um olho é rei". Do que precisamos é de um ensino que dê a cada um a possibilidade de usar o melhor possível os olhos que tem e, por isso mesmo, permita identificar o maior número daqueles a quem deve ser oferecida uma educação superior - digna desse nome - que lhes permita ver muito mais longe. No interesse de todos.(...)
in Público
Por GUILHERME VALENTE
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