sexta-feira, setembro 24, 2004

SOBRE O FIM DO SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO

"Na semana em que acabou, vale a pena reflectir sobre o serviço militar obrigatório. Ele acabou. E eu, que não fiz tropa e nem teria feitio ou disposição nenhuma para a fazer, digo: é uma pena. Não é uma pena ter-se acabado a obigatoriedade da tropa; é uma pena ter-se acabado a obrigatoriedade, simplesmente. Eu explico.No sistema que defendo (e que se pratica, por exemplo, na Alemanha, um país que para mim é um exemplo em muitas coisas) um jovem, ao acabar a escola secundária, pode decidir livremente se presta o serviço militar ou se presta outro tipo de serviços à comunidade (e, saliente-se, sem precisar de se declarar objector de consciência). Que tipo de serviços são estes? Podem ser colaborar em hospitais, com os bombeiros, ser nadador salvador, ou outro tipo de tarefas não especializadas que contribuam para o bem estar geral. Serviços que são presentemente prestados por voluntários. Teríamos assim também a vantagem de poder prescindir destes bons samaritanos ou, pelo menos, reduzir a sua importância. Eu, que não gosto nada de caridadezinhas, prefiro não dever nada a ninguém, e que a sociedade também não deva: estes serviços seriam obrigatórios, prestados por toda a gente (homens e mulheres, claro) em alternativa ao serviço militar. Seria democrático. E sem excepções, como eu gosto.Estes serviços teriam de ser prestados com seriedade, responsabilidade e disciplina. No fundo como na tropa, só que sem os militares. (Acho que a tropa até seria muito boa, se não fossem os militares.) Sem ter de aturar recalcados e hierarquias absurdas e estúpidas. E com a sensação de que se estava a fazer algo de útil.
Por que defendo eu isto? Que vantagens daí adviriam para a sociedade? Bem, para mim pelo menos é claro que a minha geração é egoísta. Há um enorme défice de participação cívica, que convém corrigir desde tenra idade. Por isso eu proponho este serviço logo aos 18 anos, assim que se acabar a escola secundária, sem adiamentos (exactamente como na Alemanha). Quem seguisse para a universidade já teria assim tido pelo menos uma responsabilidade séria na vida (ser estudante de licenciatura, estudar para uns exames, pode ser duro intelectualmente, requer alguma responsabilidade mas não muita, e ainda menos em Portugal). A minha experiência diz-me que os estudantes mais sérios e trabalhadores são... os trabalhadores-estudantes (nos EUA, por exemplo, são a maioria). Com esta medida creio que se aumentaria a taxa de aproveitamentos das nossas universidades: os estudantes passariam a levar o estudo mais a sério (embora eu nem creia que os estudantes sejam os principais culpados das elevadas taxas de reprovação, mas isso é outro assunto).Eu não fiz a tropa; o meu contacto com o serviço militar limitou-se à inspecção. Mas hoje vejo que teria dedicado de bom gosto alguns meses da minha vida a uma actividade destas, desde que toda a gente os dedicasse também. Não sei o que pensarão desta proposta o Luís e o Daniel, que fizeram a tropa e se manifestaram a favor do fim do SMO. Mas sei que esta proposta não será nada popular entre os sectores afectos à direita liberal e ao Bloco de Esquerda, que se unem numa estranha coligação contra o SMO (e provavelmente contra qualquer coisa que inclua a palavra "obrigatório") pelos mesmos motivos egoístas e individualistas. (Razão tinha Pacheco Pereira ao afirmar, há uns anos, que a propaganda anti-SMO então distribuída pela JSD, na altura liderada pelo actual secretário de Estado da Juventude, mais parecia "propaganda do PSR".) É provável que leve muita pancada, principalmente de pessoas que não foram à tropa. Não me importa. Não me assusta levar pancada de quem não foi à tropa..."

in BdE - Blogue de Esquerda (II)

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